Escritor esteve em Maceió para participar da 10ª Bienal Internacional do Livro de Alagoas
Jamerson Soares – jornalista com fotos de Renner Boldrino
O olhar do escritor baiano Itamar Vieira Junior, de 44 anos, é como uma flecha que passeia em todos os espaços por onde passa. A voz em linha reta, inquieta, se amplifica preenchendo as lacunas. Essa mesma voz se assemelha à maneira como ele saiu sozinho do hotel onde estava, em Maceió, até o Centro de Convenções. Saiu assim, de forma independente, livre, direta, como uma flecha de fogo, sem nem esperar a equipe de produção da 10ª Bienal Internacional do Livro de Alagoas para acompanhá-lo.
Itamar esteve presente, no último sábado (12), na Bienal, para falar sobre seu mais recente livro Salvar o Fogo (2023) e sua trajetória afetiva, bem como as memórias que o atravessam até hoje e que o motivam a escrever. Depois do sucesso de Torto Arado, considerado pelas críticas e admiradores um best seller contemporâneo, o escritor, que também é leonino sincero, já adiantou:
“Estou sempre imaginando milhões de coisas e escrevendo, só não me dei um prazo para encaminhar as coisas, até porque a vida é muito corrida. Antigamente, os escritores ficavam no seu recluso só escrevendo, hoje em dia participam de muitos eventos. Há interrupções. A gente vai criando entre um espaço e outro, mas, sim, têm coisas novas para vir e por vir”, contou, meio que em segredo, que tem produzido ou que vai publicar algo novo.
Na ocasião, Itamar também foi convidado a dar uma entrevista exclusiva para a Assessoria de Comunicação do evento. Em uma sala branca, com sofás confortáveis e cadeiras e uma parede de vidro que separava a plateia de quem estava dentro da sala, o autor analisava com o olhar tudo que acontecia.
Questionado sobre esse olhar e a relação entre ser geógrafo e a descrição de cenários em suas histórias, Itamar conta que todos os recursos criativos da sua formação e a luta de um corpo negro se reverberam em suas narrativas.
“O Itamar que escreve é o mesmo Itamar geógrafo, é o mesmo Itamar que se envolveu com antropologia, que é doutor em estudos étnicos. Tudo que fez parte da minha formação também reverbera em tudo que escrevo. E eu acho muito interessante porque termina que eu escrevo ficção, mas eu também estou refletindo como um cientista social a partir da ficção”, disse Junior.
Ele acredita também que todos os caminhos de conhecimento também se cruzam no fazer literário: “Penso na história, penso na narrativa, nesse mundo como um lugar vivo, onde as personagens vivem, e elas também estão interagindo com esse ambiente o tempo todo, assim como o mundo interage conosco”, explicou o autor, que também comentou que uma das características de suas obras é falar sobre as feridas ainda abertas no Brasil, principalmente em relação ao povo preto.
‘O fogo é sim um símbolo político’
Durante a conversa, Itamar ouve com os olhos direcionados para cada vibrar de palavras e responde todas as perguntas sem pensar muito. O principal assunto da noite foi a estreia de Salvar o Fogo, um romance de várias camadas e muitos significados, com foco na trajetória íntina dos personagens, traços de vidas brasileiras, tanto emocional quanto sociocultural.
A história se passa no interior da Bahia, território-corpo-negro onde o autor nasceu e se criou. Moisés, um personagem central, vive com o pai chamado Mundinho e sua irmã, Luzia, em um povoado rural conhecido como Tapera do Paraguaçu. Tapera é uma comunidade de agricultores e pescadores, e onde tem um forte controle religioso pela Igreja católica. Órfão de mãe, Moisés encontra afeto em sua paixão, Luzia.
Épico e lírico, com o poder de emocionar, encantar e indignar o leitor a cada nova página, Salvar o Fogo nos mostra que os fantasmas do passado de uma família muitas vezes não se distinguem dos fantasmas do país. Uma trama atravessada pelos traumas do colonialismo que permanecem vivos, como uma ferida ainda aberta.
“O fogo pelo qual a história se refere é essa força, essa energia da nossa existência que precisa ser reservada, que precisa ser guardada para um momento oportuno”, justificou Itamar. Para ele, o fogo é um elemento ambíguo, que pode simbolizar destruição como também uma metáfora para o desejo: “Pensando nessa perspectiva acho que o fogo é sim um símbolo político, da nossa existência, é um símbolo desse ímpeto criativo que carregamos de vida”, salientou Itamar.
Energia materna e feminina nos textos
O escritor e o geógrafo Itamar convergem no mesmo compasso da narrativa poética. E foi por meio dessa narrativa que o autor já conquistou os Prêmio Leya (2018), Jabuti, na categoria Melhor Romance, e o Oceanos, em 2020, entre outros, além de participações em festivais, mostras, seminários.
Ainda durante a conversa com o autor, foi lembrada uma parte do livro Torto Arado, em que uma personagem chamada Maria Cabocla conseguia sair das garras do seu ex-marido por meio da valentia de Belonísia. Nesse aspecto, é perceptível a presença feminina e a energia materna em seus textos. Itamar comentou que existia sim esse sentido, mas destacou que as personagens femininas fazem sucesso nos seus livros porque, de alguma forma, os leitores se identificam com elas.
“Há também personagens homens nos livros, mas, claro, as mulheres dos livros são personagens fortes, magnéticas, assim como elas pesam para mim também enquanto escrevo. Para o leitor, elas também têm essa importância. Quando estou pensando nessas mulheres, estou pensando nas mulheres que conheci como servidor público, as camponesas no campo, como elas agem, se portam nesse ambiente que é tão machista. Ao mesmo tempo elas conseguem se destacar seja na liderança comunitária, liderança política, movimentos sociais, ou seja, são mulheres que estão ao nosso redor o tempo todo”, declarou o autor.
Sobre a violência que Maria Cabocla sofre com o marido, no livro, e a relação entre a realidade e a ficção, Itamar reflete: “Os noticiários trazem isso todos os dias para a gente. Acho que na nossa comunidade, na nossa volta, desde a nossa infância, a gente enfrenta, percebe, ver essas coisas. Acho que a literatura ganha força, ganha densidade, profundidade, quando a gente aproxima ela da vida. E acho que essa cena, essas personagens, aproximam a literatura da vida”.