Com mediação de Lídia Ramires, temática foi debatida por Carla Serqueira e Milenna Alves durante a Bienal
Sandra Peixoto – jornalista com fotos de Mitchel Leonardo
Um encontro que não acabou. Foi assim, homenageando a estudante de jornalismo Ariane Félix, que a mesa-redonda Mulheres jornalistas e violências: gênero, raça e classe teve sua abertura na manhã desta segunda (14), na 10ª Bienal Internacional do Livro de Alagoas. Sob a mediação de Lídia Ramires, professora adjunta da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), o encontro teve como convidadas as jornalistas Carla Serqueira e Milenna Alves.
Um dos símbolos da tese intitulada Racismos nas trajetórias escolares e profissionais de jornalistas negras de Doutorado em Comunicação e Cultura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) de Carla Serqueira foi a estudante da Ufal Ariana Félix, mulher negra e falecida em 2019 após um processo depressivo que, dentre alguns fatores, foi agravado pela dificuldade em encontrar estágio na área de jornalismo, algo obrigatório para sua graduação.
“Eu estava em um momento de definição do tema e isso me comoveu muito. Historicamente o jornalismo foi feito por homens para homens. E, embora a quantidade de mulheres nos últimos anos tenha aumentado, se a gente for olhar, a quantidade de mulheres negras ainda continua muito irrisória”, observou Carla.
Para ela, é preciso entender por que isso está acontecendo e quais são os desafios que precisam ser ultrapassados para que esse espaço seja ampliado para as mulheres negras. Por isso, a pesquisa se debruçou sobre momentos que vão desde a fase escolar até chegar na Universidade, já que a escolha de uma profissão aconteça no final da adolescência e, em alguns casos, são expressadas desde a infância.
Mas a pesquisadora percebeu que, no caso de mulheres negras, muitas dessas vocações são tolhidas desde pequena. “A gente percebe que a aparência física, por exemplo, é algo que marca muito e exclui desde as experiências escolares. O cabelo é um elemento que aparece muito como obstáculo, assim como o questionamento da capacidade intelectual”, pontuou Carla.
Complicações na fase da graduação
De acordo com a pesquisadora, na fase da universidade, um dos problemas observados é assédio sexual, os quais abrangem todas as mulheres, mas com as negras tem uma peculiaridade: acaba sendo preterida afetivamente, tornando-se mais difícil para ela integrar equipes desde os trabalhos acadêmicos. Como consequência, chega ao mercado de trabalho com poucas redes de contatos e os espaços de acessão ficam ainda mais dificultados.
Isso, no entanto, pode ser percebido no próprio mercado de trabalho: mesmo com o número crescente de jornalistas nas redações, a maior parte das chefes são mulheres brancas.
“Acontece um fenômeno que é importante observar nas relações de mulheres negras com mulheres brancas: um conceito chamado Síndrome da Abelha Rainha, que mostra como o racismo interfere nessa relação. Porque as mulheres brancas que alcançam um posto de chefia estão muito mais alinhadas com os interesses masculinos do homem branco, o que acaba deixando a mulher negra um pouco mais preterida na ascensão profissional”, observou Carla.
Mulheres no jornalismo esportivo
Outro ponto debatido na mesa-redonda foi a participação feminina no jornalismo esportivo. O tema foi apresentado pela jornalista Milena Alves, graduada pela Ufal. Em seu estágio, teve a oportunidade de atuar como comentarista esportiva, surgindo daí o tema de sua Tese de Conclusão de Curso (TCC) intitulada Contra-ataque: mulheres no futebol.
A pesquisa traz um panorama sobre como as mulheres passam essas violências no universo esportivo, seja na cobertura jornalística esportiva, atletas, profissionais de arbitragem e torcedoras. “É importante discutir esse tema para a gente identificar, de fato, como isso acontece e nos fortalecer enquanto mulheres jornalistas. Nós estamos ali exercendo a nossa profissão e queremos estar asseguradas nela”, defendeu Alves.
Algo que se observa no jornalismo esportivo é a ausência de mulheres como comentaristas, limitando-se à área de reportagem “porque elas servem para reportar, para passar informação, mas elas não servem para opinar ou para serem protagonistas em uma transmissão, como são as posições de comentaristas e narradoras”, avaliou a estudiosa com o cuidado de não inviabilizar as posições das mulheres repórteres.
“Inclusive, elas sofrem uma violência mais direta, porque elas têm mais contato com os torcedores, elas têm mais contato com os atletas, elas estão ali expostas, de peito aberto, em uma cobertura esportiva”, complementou Milena.