Apresentação no Teatro Gustavo Leite contou com a participação da b-girl Daina e o grafiteiro Inxame
Sandra Peixoto – jornalista com fotos de Mitchel Leonardo
Os olhos do pequeno Eduardo Fernandes, de 8 anos, vibravam. Fixos no palco do Teatro Gustavo Leite, eles se dividiam entre a energia hip-hop do rapper Renan Inquérito e a admiração por ver sua mãe, a b-girl Daina apresentar passos de break dance. Juntamente com o grafiteiro Lucas Rafael, conhecido com Inxame, os dois foram selecionados para representar Alagoas no espetáculo AbraKbça, na última sexta-feira (18), na 10ª Bienal Internacional do Livro.
AbraKbça é fruto de um projeto musical lançado recentemente e surge exatamente quando o hip-hop completa 50 anos. Idealizado por Renan Inquérito, o rapper com dez discos lançados, o espetáculo traz um pouco da criança que ele mesmo foi ao se apaixonar pelo ritmo sem nem saber ao certo o que era. Do o primeiro poema, desde os seis anos à vida adulta, rimas e poesias o acompanharam.
“Eu cresci fazendo rap. E aí, o meu rap, não só o meu, o rap adulteceu. E quando ele adultece, fica mais sério e perde um pouco da sua ternura, do seu brilho no olho, da sua espontaneidade. E isso quem traz para nós são as crianças. Então, eu volto para perto das crianças para beber de toda essa fonte e, também, para lembrar da criança que eu fui e ter oportunidade de apresentar o hip-hop para essas crianças, porque ele foi apresentado para mim e mudou a minha vida’, afirmou o poeta.
Ligando os pontos entre o espírito criativo, inventivo e questionador do universo infantil com a crítica ao mundo, à sociedade e à desigualdade, Inquérito teve a ideia do AbraKbça. “O disco tem a doçura das crianças em vários momentos, de várias formas. Seja pela letra, seja pela voz, seja por um instrumento; mas, tem o peso a representatividade do rap, porque essa é a bandeira que eu carrego. Mas dentro do rap, eu carrego a bandeira da poesia e da educação porque sou um fazedor de saraus, um poeta, um ativista da palavra e sou um MC que é professor”, ressaltou.
E como educação e poesia têm um grande potencial transformador, outros artistas se juntaram ao projeto. Arnaldo Antunes, Maria Rita, O Teatro Mágico, Emicida, Rashid, Drik Barbosa e Adriana Calcanhoto foram alguns nomes que aportaram no mundo encantado do MC Mágico.
Espetáculo lúdico e colorido
O universo lúdico e colorido criado pelo encantador de palavras, o MC Mágico, canta e encanta. E como se o verso “quando te faltarem palavras, preste atenção; abra a cabeça e escute o coração” já houvesse sido antecipado, logo aos primeiros sons, a euforia toma conta das crianças e adolescentes e o engajamento, sentido e ouvido, surge espontaneamente.
E assim, entre aplausos e coro, a plateia segue interagindo com o espetáculo; é o encantamento mágico. “Foi tudo muito incrível. Se eu pudesse, contrataria para o meu aniversário”, disse Ruan Gabriel, 15 anos, estudante da Escola Municipal Dr. Iramilton Leite, de São Miguel dos Campos (AL).
Visitando sua primeira Bienal, a estudante Emile Pereira, 10 anos, da Escola Municipal de Educação Básica Vereador João Rogério, em Campo Alegre, no interior de Alagoas, não conhecia Renan Inquérito, mas ficou encantada e achou “tudo maravilhoso e legal”.
Com letras que trazem reflexões, o hip-hop de Renan Inquérito não se limita ao público infanto-juvenil. A professora Fabiana Menezes, do Instituto Federal de Alagoas (Ifal), Campos Palmeira dos Índios e membro do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros e Indígenas (Neabi), acompanhou a apresentação com um grupo de alunos e monitores e gostou do espetáculo.
“Achei interessante porque o hip-hop traz essa representação, essa questão da identidade, da dança. Então tem tudo a ver com o trabalho que a gente já faz no Neabi. E essa dinâmica das palavras, de trazer para a criança o lúdico, para a música e para a poesia, eu achei fantástico e os meninos também gostaram”, analisou a professora.
E lembram do pequeno Eduardo que abriu esta matéria? Ele acabou subindo ao palco e se transformando no Super Hip-Hop! É a magia ganhando vida. O pai, Edlano Fernandes, mais conhecido como b-boy Jerry, disse que sairá do espetáculo inspirado. “Eu vejo muita energia da parte deles nesse projeto, que eu acho muito impressionante. Às vezes a gente está desanimado e, quando gente vê eles trabalhando dessa forma, dá essa vontade de, sei lá, explodir. Renova”, afirmou.
Representatividade no palco
Os dois alagoanos convidados a integrarem o projeto nesta apresentação disseram estar felizes por representarem o movimento. “É muito bom estar participando de um evento como esse, na Bienal, e uma apresentação dedicada à criançada também, trazendo vários elementos do hip-hop como o DJ, o MC, o Break e o grafite. Estou muito grato pela oportunidade”, disse Inxame.
Com 12 anos nos passos do hip-hop, Edjaria Daina, a b-girl Daina, ressaltou a participação feminina. “Ter uma mulher dançando e mostrando a cultura é muito importante para mostrar que a mulher também é capaz de fazer parte do hip-hop”, celebrou, acrescentando que seu filho já faz parte do referido universo desde antes de conhecer o mundo “já dançava na barriga na mãe”, brincou.
Daina, inclusive, faz parte do trio que representa Alagoas em campeonatos de hip-hop e que, no próximo final de semana, estará em João Pessoa participando de um campeonato de b-girl.