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“Tem muita coisa boa a ser dita, mas as pessoas têm vexame”, diz Jessier Quirino

Em entrevista, poeta matuto reflete sobre a pressa da sociedade atual e a necessidade de manter o bom humor

Elaine Rodrigues – jornalista com fotos de Renner Boldrino

Jessier Quirino em entrevista para a jornalista Elaine Rodrigues

Há mais de 25 anos, Jessier Quirino lançou o seu primeiro livro, Paisagem de Interior. A obra deu início a uma maratona de recitais por todo o Brasil, voltados aos mais diversos públicos. O arquiteto e poeta matuto até hoje recita o poema que dá nome à primeira obra, é pedido certo nos shows. Mas também não podem faltar muitas outras histórias, causos matutos, que o público até decorou, mesmo assim pede para ouvir mais uma vez do artista.

Nascido em Campina Grande, na Paraíba, Jessier se orgulha em levar a alegria sertaneja às plateias e utiliza seu olhar de arquiteto na descrição que contextualiza tão bem suas histórias. Seus livros se tornaram objetos de estudos e recursos didáticos em instituições de ensino. Seus contos e sua poesia têm uma identidade própria, com um misto de cultura popular, que evoca as histórias de antigamente, as raízes nordestinas e a alegria do Sertão. “Matuto tem em todo o canto”, garante Jessier.

Na 10ª Bienal Internacional do Livro de Alagoas pela quinta vez, o poeta matuto lotou o Teatro Gustavo Leite. Mas, pouco antes da sua apresentação, ele conversou um pouco sobre herança poética, timidez, inspiração, poesia visual e a pressa da sociedade. Confira a seguir:

Elaine Rodrigues – As pessoas ficam encantadas com a sua poesia, com seus relatos da alegria sertaneja. Como a arte chegou na sua vida?

Jessier Quirino – Chegou pelo rádio. Campina Grande sempre teve uma efervescência cultural muito grande por conta do comércio, da feira. O rádio era aquela coisa provocativa dos tocadores de viola, de Luiz Gonzaga, de Marinês e eu ouvindo isso tudo, sou caçula de quatro irmãos mais velhos. Então, meu irmão mais velho estava trazendo Beatles. Papai é poeta, um poeta circunspecto, mas eu tenho a herança poética de papai. E o rádio me traz essa linguagem interiorana. A riqueza é muita e tem muita graça no dizer.

ER – E o senso de humor?

JQ – Eu sempre tive certa ligação com o humor, eu fiz do humor uma arma de defesa para a minha timidez. Eu sou uma pessoa extremamente reservada e, em sala de aula, com uma brincadeira que chegava de forma sarcástica, eu fazia daquela uma pequena marca minha, como uma assinatura “Quiriniana.” E nisso, os mais velhos me defendiam: para aí que Jessier vai contar uma história. Então, eu achava que essa ferramenta era importante para a sobrevivência em território hostil. Terminou passando a ser minha arma, superou até o arquiteto.

ER – Para contar histórias, é preciso ter inspiração. Como é sua vivência com esse processo?

JQ – A inspiração vem de tudo. Pego uma revista dentro do consultório médico, aparece um tema científico e eu transformo em uma linguagem matuta, e a linguagem matuta torna-se familiar. Porque o que estava faltando era o exercício de colocar aquelas palavras do matuto na vitrine.

“A inspiração vem de tudo”, dispara Jessier Quirino

ER – Seus livros já foram utilizados como recursos didáticos em salas de aula. No caso de Paisagem de Interior, a sua descrição é muito detalhada. Nessa hora, o poeta pede ajuda ao arquiteto?

JQ – As coisas se confundem. Eu fui muito feliz numa crítica de um editor cultural que disse a poesia visual de Jessier Quirino. E várias pessoas começaram a me definir como poeta visual. Quando eu descrevo a Paisagem de Interior, você vê um cineminha daquela paisagem, mesmo não sendo de interior. Isso se encaixa em várias outras histórias, como Comício de Beco Estreito, parafuso de cabo de serrote que é a descrição da venda, você vê um filme todinho de um matuto contando a história. Então, essa coisa descritiva é muito própria até mesmo de quem é do mato, porque no mato não se diz o endereço de ninguém. Onde é que você mora? Eu moro entre o fiteto de dona Judite e a casa de dona Maria José. Mas é Rua Monsenhor Valfredo, número 57, só que ninguém fala.

ER – As suas histórias têm detalhes, camadas, contextos. Em contraponto, hoje temos redes sociais, fonte de entretenimento rápido, vídeos de até um minuto. Em sua opinião, as pessoas estão perdendo a habilidade de sentar, conversar e ouvir histórias?

JQ – Estão. Estão perdendo tanto que a gente está usando um recurso que já é repassado por minha filha, por meu filho, que eles estão na frente nessa parte de tecnologia. Eles dizem: papai, vamos fazer uns recortes. Eu disse: o que é recorte? Recorte é colocar um fragmento do que o senhor vai dizer que é para pegar o cara mais na frente. Então, eu criei a janelinha de Chicão, com um causo de um minuto. E tem outros que duram três minutos ou quatro, eu digo um pedaço, que é para tentar amarrar o freguês, lá na frente. Então, isso são artifícios que a gente vai adquirindo.

ER – E qual a sua opinião sobre essa pressa das pessoas?

JQ – Uma coisa que é importante a gente falar, que daí vem a importância da Bienal, da sala de aula, da meninada aqui é a gente tentar fazer com que essas pessoas tenham calma. Porque tem muita coisa boa a ser dita, mas as pessoas têm vexame. Agora faço feito o matuto: é um vexame, não sei do quê. A palavra, a poesia, o verso, o conto precisam dormir. Você escreve, deixe o seu texto dormir um dia, dois dias. Quando você relê, você já dá uma arrumadazinha, dá uma descascadazinha, apara umas arestas, melhora o choque de uma vogal com outra que na declamação poderia soar mal. Então, isso tudo requer um pouquinho de tempo e a Internet hoje pede um instantâneo que o camarada faz na mesma hora e tem que estar vendo, tem que ter tantas curtidas… Então, não precisa ter tantas curtidas, precisa ter melhores seguidores. É ter fidelidade de seguidores. Um seguidor bom é melhor do que 500 ruins.

ER – A sociedade precisa de mais humor?

JQ – O humor é a tradução da verdade. Com o humor você diz a verdade. A charge já existia lá no século 18, o camarada fazia aquele desenho que é uma mensagem política importante. Então, a gente vem brincar com as palavras, que fazer poesia é brincar. Ao mesmo tempo fazer uma crítica social, fazer um chamamento para as pessoas e até, como o tema [da Bienal] foi esse, fazer esse chamamento para humanizar a sociedade.

Veja como foi o show de Jessier Quirino aqui.

Jessier Quirino lotou o Teatro Gustavo Leite em sua quinta Bienal (Foto: Renner Boldrino)

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